O que um capítulo sobre a menopausa faz em um livro sobre maternidade? A mulher que aceita seus ciclos pessoais e de vida, tais como são, será capaz, acredito eu, de melhor exercer suas funções naturais de mãe.
Vivemos em um tempo em que, cada vez mais, a menopausa é vista como uma fase que mulher nenhuma almeja, pois traz indesejáveis sintomas, mas essa é uma análise triste e superficial. Portanto, olhar com naturalidade o que nos espera no dia de amanhã nos ajuda a compreender o que estamos vivendo hoje.
Escrever sobre a menopausa é escrever sobre o período da tarde, justo antes do crepúsculo, momento em que estamos cansadas, porém ainda há um caminho a percorrer até que a luz se apague e o esplendor do sol dê lugar à noite. Ninguém julga o fim do dia como bom ou mal. Certamente, algumas pessoas apreciam mais este momento que outras, pois alguns entardeceres são mais coloridos e intensos que outros; contudo, não há um conceito de positivo ou negativo, este momento simplesmente é, com suas peculiaridades. Entretanto, na cultura do “eternamente jovem”, a menopausa passa a ser uma ameaça, um recibo do tempo, uma passagem sem volta para uma fase da vida que, quando não é bem aceita, pode gerar um grande sofrimento pelas perdas a ela atribuídas, tanto físicas quanto energéticas e psíquicas.
Passadas as ilusões de menina-moça, realizadas as funções maternas (em algumas mulheres) e cumpridas as metas da primeira parte da vida – que muito tem a ver com as aquisições físicas e materiais -, finalmente é chegada a idade madura da mulher, o momento da queda do Yin, a menopausa.
O Yin é predominante na mulher e representa os líquidos do corpo, o sangue, a matéria, a temperatura fria. Por isso, a mulher sente mais frio e tem uma tendência maior ao recolhimento, pois sua fisiologia energética é mais pesada e menos ativa que a do homem. Fisicamente, os sintomas da menopausa demonstram uma acentuada queda de Yin: calores, diminuição do sono, sudorese noturna, diminuição da lubrificação das mucosas, ressecamento da pele, parada da menstruação. Dizem que a mulher se torna mais Yang, pois seu equilíbrio agora tende mais para esse outro polo energético.
Psiquicamente, a mulher fica mais agitada e inquieta, sendo mais suscetível a mudanças de humor. A depressão, muitas vezes observada nesse período da vida, deve-se ao fato de a mulher ter necessidade de encontrar um novo eixo, um novo ponto de equilíbrio; a sua energia, então, recolhe-se para o inconsciente, até que um novo caminho revela-se e ela possa novamente colocar, de maneira ativa, sua energia no mundo.
Frequentemente, deparo-me com pacientes nessa fase que, por não aceitarem sua idade cronológica, perguntam estupefatas: o que está acontecendo comigo? Querem sua vitalidade de antes, abominam os sintomas mais comuns da menopausa como calores, diminuição da libido, cansaço e forçam-se a reagir como sempre, negando a única realidade que lhes pertence, a realidade do corpo. Quanto maior o esforço de manter o status quo, pior o choque, piores os sintomas, pior a queda.
Este novo ponto de mutação, momento de passagem como outros já vividos (menarca, gestação, parto), não traz ganhos imediatos nem compensações claras como na menarca, por exemplo, em que a mulher perde o status de criança, mas ganha a capacidade de procriar, ou mesmo no parto, quando se separa de seu bebê no útero para trazê-lo à luz do dia. A mulher na menopausa passa, aparentemente, por muitas e muitas perdas: perda da capacidade de procriar, perda da juventude, perda dos filhos que saem de casa, perda das possibilidades da vida que se tornam diminutas, e isso acontece ao mesmo tempo em que sua força física e sua capacidade de adaptação diminuem. Então, o que sobra para ela?
Como já explicado anteriormente, o meridiano do Útero liga-se ao do Coração, perfazendo um eixo Água e Fogo. A Água comanda a herança ancestral (genética e fenotípica), e o Fogo coordena a dança hormonal através do eixo hipotálamo-hipofisário-ovariano. Quando a mulher cessa suas menstruações, o Jing (Energia Vital) – que era dirigido mês a mês ao útero (Palácio do Feto) – passa a ser encaminhado ao Coração. Isso significa que o Coração recebe, após a menopausa, um novo direcionamento energético vital, pois com a chegada da menopausa, a Energia Vital Jing não é mais usada para as funções reprodutivas. O Espírito (Shen), que habita o coração, pode se expressar de acordo com o princípio vital. Jing: ou seja, a força de expressão e organização pessoal, a consciência de si mesma e a dos outros – manifestada pelo Shen – torna-se mais aguçada, mais intensa.
O foco desse momento da vida tanto para o homem quanto para a mulher não está mais exclusivamente no relacionamento com o mundo exterior. As conquistas materiais e sociais da primeira fase da vida, em geral, estabilizam-se, e a potência realizadora diminui. O corpo cansa-se mais facilmente, e tanto o seu ritmo como o da psique são mais lentos. Segundo o autor James Hollis, em seu livro A Passagem do Meio, a vida só é trágica à medida que se permanece inconsciente da divergência entre as escolhas que fazemos e a nossa natureza. Alguma de suas palavras:
Um dos choques mais violentos da passagem do meio é o colapso do nosso contrato tácito com o universo, a suposição de que, se agirmos corretamente, se nossas intenções forem boas e sinceras, as coisas darão certo. Supomos uma reciprocidade com o universo…
Ninguém se casa, por exemplo, sem grandes esperanças e boas intenções, não importa o quão incertas e variáveis são as circunstâncias. Quando nos erguemos entre os fragmentos de um relacionamento, perdemos não só o parceiro, mas também toda a perspectiva de mundo. Ele diz ainda: Durante a passagem do meio, frequentemente ainda temos obrigações para com os filhos, com a realidade econômica e as exigências do dever. Não obstante, mesmo enquanto o mundo exterior continua a reclamar nossos esforços, precisamos nos voltar para dentro de nós para crescer, para mudar, para encontrar a pessoa que é o objetivo da jornada.
Para compreender a menopausa a partir da ótica da saúde é crucial observar este momento de passagem como um momento que possibilita a hora da verdade. A hora da verdade é aquela em que olhamos nosso reflexo no espelho e pensamos: o que estamos fazendo aqui? Reavaliamos nossas escolhas, contabilizamos as perdas, aprendemos com as decisões tomadas e sabemos que o único caminho que resta é o caminho de ser quem realmente se é. Isso é o reflexo da Energia Vital que volta e nutre o “Coração consciência” (Xin).
Um indivíduo com desenvolvimento psicológico esperado deverá passar por uma idade adulta de realizações concretas que incluem, possivelmente, casamento, filhos, realização profissional, construção de um patrimônio financeiro, obtenção de um lugar entre seus amigos e sua comunidade. Algumas pessoas tentam, concretamente, manter essas realizações até o fim da vida e acabam engessando o seu desenvolvimento psíquico. No meio da vida, e na da mulher, mais especificamente na menopausa, esses valores já não são mais suficientes: ainda que todos os grandes objetivos da vida exterior como casamento, visa social e familiar tenham sido atingidos, é comum que se sinta um grande vazio existencial dentro de si.
Este é um momento de recolher as projeções, e isso significa que não posso mais imputar minhas dores e fracassos ao outro, ao marido, aos filhos, ao destino. É chegado o momento de deixar de lado o papel social e dar atenção ao eu verdadeiro, descobrir quem somos para além dos papéis de esposa, mãe, profissional e dona de casa que representamos. As esperanças e expectativas, a força e a coragem diminuem, somos forçadas a nos voltar para dentro de nós mesmas.
Do ponto de vista energético, com a queda do Yin, a mulher experiencia o outro lado da moeda, o do aumento (ainda que relativo) do Yang. Este é um momento da vida em que há uma mudança até mesmo de predominância energética, ou seja, a vida nos pede uma nova atitude em relação ao que até então vivemos.
Natureza Íntima
Nos textos clássicos chineses, como o Tao Te King e os escritos de Chuang Tzu, encontra-se um termo, Xing, traduzido para a nossa língua como natureza íntima ou a vida do coração. Essa “vida do coração” é a essência de cada um que se completa pelo destino.
Durante a vida, estamos constantemente envolvidos com nossas atividades do dia a dia e nos esquecemos de perceber o mais simples: nós mesmos. A natureza íntima é a capacidade de reconhecer nossa ligação com o único, com o todo, com o universo. Ela permite ao indivíduo distanciar-se de seu destino pessoal e assistir ao filme da vida sem se precipitar. O problema não é o destino e sim a relação que estabelecemos com ele, pois estamos constantemente nos identificando com ele e, como consequência, adoecendo.
O nosso olhar a respeito da vida é único, por isso vivemos uma solidão que é, ao mesmo tempo, marca da nossa individualidade e da nossa singularidade. Essa singularidade, essa marca pessoal, não deve nos distanciar do todo, do universo, pois está profundamente conectada a ele. Para se estar consciente da singularidade e também do todo, deve-se manter o contato do Coração (consciência) com as bases, os Rins, que armazenam a Energia Vital, o Jing.
A menopausa, como dito anteriormente, é um momento em que não há mais a possibilidade de procriação, a menstruação cessa e o Jing dirige-se ao Coração, por não estar mais ligado à função reprodutiva. Deste modo, potencializa-se a nossa capacidade de entrar em contato com a nossa natureza íntima, literalmente, o “fruto do coração”, e realizamos nosso destino pessoal em conexão com o universo.
Vejamos a seguir o Capítulo 33 do Tao Te King:
Aquele que conhece os outros é inteligente,
Mas aquele que conhece a sim mesmo tem a luz interior.
Aquele que triunfa sobre os outros, pode-se dizer que tem força,
Mas aquele que triunfa sobre si mesmo tem a força interior,
Aquele que sabe se satisfazer tem a riqueza.
Aquele que pode agir com força tem o querer.
Aquele que não perde seu lugar exato pode perdurar.
Morrer sem perecer; esta é a longevidade.
O trecho do livro Tao Te King mostra, com suas palavras, que a verdadeira força reside no Autoconhecimento, na Presença e na Consciência. A longevidade não diz respeito a viver mais, e sim a viver o seu tempo com a melhor qualidade possível de vida, pois aqui o homem conhece a sua força, os seus limites e a sua necessidade. Esse é o caminho da terceira idade: o caminho da compreensão profunda de si mesmo.
Fonte: livro Domínio do Yin – Da Fertilidade à Maternidade; a Mulher e suas Fases Segundo a Medicina Tradicional Chinesa – Helena Campiglia